A deputada disse ter deixado o Brasil para tratamento médico e “resistir”; ela foi condenada dias atrás a 10 anos de prisão por invasão dos sistemas do CNJ
Além da prisão, Carla Zambelli foi condenado à perda do mandato após o esgotamento dos recursos e ao pagamento de multa (Foto/Lula Marques/Agência Brasil)
O PT protocolou nesta terça-feira (3) representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) com pedido de decretação de prisão preventiva da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), logo após ela anunciar, em uma live no Youtube, que deixou o Brasil.
Para o PT, ela é agora uma foragida da Justiça brasileira. Zambelli foi condenada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos e 8 meses de prisão pela invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O PT alega que a parlamentar representa “risco concreto à aplicação da lei penal, à ordem pública e à integridade das instituições democráticas brasileiras”. O partido ressalta que ela arrecadou R$ 285 mil por meio de doações via Pix recentemente, que serviriam para sua "fuga".
A legenda destaca ainda que Zambelli "repete o modus operandi de Eduardo Bolsonaro, buscando apoio de autoridades estrangeiras contra ministros do Supremo, no contexto de uma trama golpista continuada, agora reconfigurada em forma de ataque transnacional à soberania nacional e à legitimidade do sistema de justiça brasileiro".
Diante desse quadro, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu à PGR que:
Advogado deixa defesa de Zambelli
Também após Zambelli anunciar que saiu do Brasil, o advogado Daniel Bialski anunciou ter deixado a defesa da deputada. Ele alegou “foro íntimo”. Disse que, a partir de então, quem se pronunciaria sobre a deputada era a assessoria de imprensa dela, que, por sua vez, não havia emitido qualquer nota.
Ao contrário do que afirmou, Zambelli não está na Europa. Ela foi para os Estados Unidos no fim de semana e por lá permanece, segundo o marido da parlamentar, Aginaldo Oliveira, que disse estar com a esposa. A própria Zambelli afirmou, durante live no Youtube, estar há alguns dias na Europa, sem informar o país.
"Eu queria anunciar que estou fora do Brasil há alguns dias. Eu vim a princípio buscar um tratamento médico. E agora eu vou pedir para que eu possa me afastar do cargo. Existe essa possibilidade na Constituição, foi o que o Eduardo [Bolsonaro] fez, ele pediu uma licença não remunerada e o gabinete vai ser ocupado pelo meu suplente", disse a deputada em entrevista à rádio Auriverde, em transmissão pelo Youtube.
O prazo para este tipo de afastamento é de quatro meses. A parlamentar negou que se trate de uma fuga. Garantiu que, além de cuidar da saúde, vai continuar militando fora do Brasil e que escolheu a Europa como destino para poder atuar pelo fortalecimento da direita nos países da região.
"Eu vou me basear na Europa, eu tenho cidadania europeia. Não é um abandono do país e nem desistir da minha luta. Muito pelo contrário, é resistir, é poder continuar falando o que que quero falar", disse a parlamentar.
"O caminho nos Estados Unidos já está asfaltado (pelo Eduardo Bolsonaro e pelo Paulo Figueiredo). É justamente por isso que estou escolhendo a Europa. Lá a gente precisa de alguém que fale espanhol para conversar na Espanha, português para falar em Portugal, inglês para conversar com a Inglaterra. Eu tenho um italiano ainda não tão bom, mas vou desenvolver meu italiano. Quero estar nos principais lugares, falar com o povo francês. Em cada lugar temos pessoas que podem lutar por nós", afirmou.
Na live, a deputada também disse ter receio de perder o acesso às suas redes sociais. Ela pediu que seus apoiadores passem a seguir sua mãe, Rita, que deve concorrer às eleições no próximo ano. A deputada afirmou estar tentando transferir seus perfis nas plataformas digitais para a mãe. Também revelou que emancipou seu filho de 17 anos.
Após a participação no canal bolsonarista, Zambelli declarou à CNN Brasil que está na Itália. "Estou na Itália. Tenho cidadania italiana e não podem me deportar. Eles não podem me deportar sendo cidadã italiana", afirmou a deputada brasileira.
Depois, porém, seu marido ligou para o canal de TV e disse que eles vão viajar para a Itália em poucos dias, mas que no momento estão nos Estados Unidos, o que contradiz também a informação que a deputada deu durante a live.
Zambelli não teve passaporte confiscado nem perdeu redes sociais
Apesar de acusar perseguição e perda de direitos no Brasil, mesmo condenada à prisão, Zambelli não teve o passaporte apreendido nem ficou impedida de deixar o Brasil. Por isso, viajou no fim de semana legalmente. Disse estar na Europa, onde pretende ficar para escapar de eventual cumprimento da pena pela invasão aos sistemas do CNJ.
Ao condenarem Zambelli à prisão, os ministros da Primeira Turma declararam a perda automática do mandato da deputada. No entanto, Zambelli não perdeu o cargo automaticamente. A perda da função de deputada só pode ser concretizada pela Câmara dos Deputados, conforme prevê a Constituição. O que já está valendo é a inelegibilidade da parlamentar por oito anos.
Zambelli também ainda pode apresentar embargos de declaração após a publicação do acórdão, a decisão da Primeira Turma do Supremo. O recurso não tem poder de alterar a condenação, mas adia o trânsito em julgado do processo. Eventual prisão da parlamentar também precisa ser autorizada pela Câmara dos Deputados.
Contudo, a jurisprudência do STF é que se a pena for superior a 120 dias de prisão em regime fechado (o que é o caso), o próprio tribunal pode determinar a medida porque a Constituição prevê que o deputado perderá o mandato se faltar a um terço das sessões. Neste caso, cabe à Mesa Diretora da Câmara apenas declarar a perda de mandato.
O STF sentenciou Zambelli a cumprir pena em regime fechado pela invasão aos sistemas do CNJ. A decisão também atinge o hacker Walter Delgatti Neto, condenado a 8 anos e 3 meses de prisão. Ele confessou ter inserido documentos falsos no sistema. Entre eles um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes – o documento tinha assinatura do próprio ministro. Disse ter sido contratado por Zambelli, que confirmou a relação com o hacker, mas negou cometimento de crimes.
Com 44 anos, Zambelli hoje demonstra fragilidade, comportamento distinto daquele dos tempos de militância e dos primeiros quatro anos de mandato. Diz que não "sobreviveria" à cadeia. Alega problemas de saúde. Por isso pedirá prisão domiciliar, caso não consiga reverter a sentença do STF. Afirma ainda que já foi internada duas vezes, enfrenta depressão e problemas cardíacos, desmaios e uma síndrome rara, chamada Ehlers-Danlos, que faz "todo o corpo sair do lugar" e causa transtornos de mobilidade.
"Ainda que seja injusta a decisão, eu sigo a lei. Se acontecer a prisão, vou me apresentar. Mas, hoje, não me vejo capaz de ser cuidada da forma que preciso [presa]. Estou pegando vários relatórios dos meus médicos e eles são unânimes em dizer que eu não sobreviveria na cadeia. Vamos apresentar isso também em momento oportuno", disse a parlamentar em entrevista coletiva, um dia após a decisão da Primeira Turma do Supremo.
Em 19 de maio, Zambelli publicou vídeo em suas redes sociais pedindo doações via Pix aos seguidores para custear multas judiciais em processos nos quais foi condenada. até o último fim de semana ela havia arrecadado mais de R$ 160 mil com a vaquinha virtual.
Perseguição com arma em São Paulo e cassação
Recentemente, Zambelli reclamou do abandono do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O episódio que levou ao "abandono" de Bolsonaro e aliados, segundo a própria deputada, ocorreu em 29 de outubro de 2022, um dia antes da votação do segundo turno das eleições presidenciais. Após discutir com eleitores em uma rua no bairro dos Jardins, em São Paulo, Zambelli, que já estava reeleita, perseguiu um deles, apontando uma arma de fogo.
Zambelli alegou ter sido agredida fisicamente, acusando seus opositores de usarem "um homem negro para vir em cima de mim". No entanto, a alegação foi desmentida com a divulgação de vídeos que mostram o momento em que ela discute com os eleitores, tropeça sozinha e, armada, persegue um dos homens, acompanhada de seguranças pessoais dela.
Em áudio, ouve-se o homem desarmado implorando pela vida. A legislação eleitoral proíbe o transporte de armas e munições, configurando porte ilegal de arma, na véspera de uma votação. O caso foi parar no STF, que em março de 2025 formou maioria de votos para condenar a deputada a cinco anos e três meses de prisão pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.
A maioria da Corte também se posicionou a favor da cassação do mandato dela. O julgamento foi suspenso por 90 dias devido a um pedido de vista do ministro Nunes Marques. Em meio a isso, Bolsonaro externou o que já falava reservadamente. Em entrevista, ele disse que Zambelli "tirou o mandato" de sua chapa nas eleições de 2022 após este episódio. Por isso, se afastou dela. Assim como os mais fiéis aliados de Bolsonaro.
Um dia após ser apontada pelo ex-presidente como responsável pela derrota dele, Zambelli fez um desabafo nas redes sociais. Sem mencionar nominalmente Bolsonaro, ela afirmou ser "difícil aguentar o julgamento" de quem sempre defendeu. "Enfrentar o julgamento dos inimigos é até suportável. Difícil é aguentar o julgamento das pessoas que sempre defendi e continuarei defendendo", escreveu a parlamentar.
Em uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, ela afirmou que se sentia abandonada por Bolsonaro. "Desde 2013 eu apoio o Bolsonaro. Antes como ativista, nas causas dele, ajudei na eleição de 2018. Durante todo o governo. Acho que eu fui uma das pessoas mais na linha de frente dentro do Congresso para poder defender o governo, o presidente", disse ao jornal paulista.
Em 14 de maio, Zambelli sofreu a maior derrota, com a condenação a 10 anos de prisão por invasão do sistema do CNJ e falsificação de identidade. O PL emitiu uma nota em apoio à deputada, mas os políticos mais proeminentes da sigla permaneceram em silêncio, repetindo o que ocorreu com ex-aliados, como Gustavo Bebianno, Sara Giromini, Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Alexandre Frota, Joice Hasselmann e Abraham Weintraub.
Inelegibilidade e condenações por ataques ao TSE e Lula
Carla Zambelli conseguiu ser reeleita em 2022, com 946.244 votos. Mas ela acumula pelo menos quatro condenações por fake news contra adversários políticos e o sistema eleitoral brasileiro. Principalmente naquele período eleitoral, o que pode lhe custar seu mandato.
Em dezembro de 2024, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) acatou uma ação movida pela deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) contra Zambelli por fake news contra o processo eleitoral. Em janeiro de 2025, o TRE-SP cassou os direitos políticos de Zambelli por 8 anos. Ela irá recorrer às instâncias superiores e permanecerá no cargo até que as possibilidades de recursos sejam esgotadas.
Antes disso, em setembro de 2023, Zambelli, Mara Gabrilli e Flávio Bolsonaro foram condenados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a pagar R$ 10 mil a a Lula por espalhar mentira que o petista pagou para não ser relacionado ao assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel (PT).
No dia 25 do mesmo mês, Zambelli foi multada em R$ 30 mil por divulgar a notícia falsa sobre a manipulação de urnas eletrônicas, publicada nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2022. Já em 20 de fevereiro de 2024, o TSE multou Zambelli em R$ 30 mil por propagação de desinformação contra o então candidato Lula em 2022.
Agora, enquanto diz buscar forças para enfrentar as decisões judiciais, além dos recursos que serão apresentados à Justiça, Zambelli afirma ter outro trunfo: a Câmara. Diz que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu “sinal verde” ao líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para apresentar pedido de suspensão da ação penal contra ela no caso da invasão ao sistema do CNJ. Além dos 10 anos de prisão, o STF impôs à deputada e ao hacker uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
Fonte: O Tempo