(Foto/Reprodução)
Depois de muitas “ginjas” numa viagem descontraída veio o meu segundo positivo da vida. Era a minha Betina, que carinhosamente chamávamos de “semente”. Uma gestação completamente planejada e desejada. Uma bebê verdadeiramente amada desde o primeiro minuto.
A gravidez ia bem, apesar dos enjoos enlouquecedores e das dores de cabeça. Ouvir seu coraçãozinho e escutar o: “tudo perfeitinho” nos ultrassons morfológicos faziam o mal estar desaparecer. Eram nada diante da alegria de ter minha bebezinha saudável.
Por volta do sétimo mês as coisas começaram a desandar. Betina começou a não ganhar peso conforme o esperado. Começou então a restrição de crescimento. Sem nenhuma causa aparente.
Acompanhávamos diariamente com ultrassons, cardiotocografias e consultas. Eu passava o dia (e a noite) colocando a mão na barriga tentando perceber seus movimentos. O medo tomava conta de mim. Quando então o líquido amniótico acabou sabíamos que o parto estava próximo.
Betina nasceu prematura (33 semanas e 2 dias), com peso “pena” de 1505g, mas com choro forte que me inundou de alívio. Foi para o CTI e a plaqueta já se mostrava baixa desde o primeiro exame. Nos dias seguintes, mesmo estando bem, os exames de coagulação mostravam o contrário.
Começou então a busca pelo diagnóstico. Inúmeros exames. Muitos medicamentos. Transfusões. Procedimentos invasivos. Infecções com necessidade de intubação. Mais exames e mais antibióticos e muita oração.
Como nada acontece por acaso, eu contactei uma professora da minha residência de pediatria que é especialista em fígado. Ela aventou desde o início o diagnóstico de GALD: Doença hepática aloimine gestacional. Uma condição extremamente rara e muito grave. Fizemos o tratamento com imunoglobulina por 3 vezes, com pouca resposta. Fomos para São Paulo prevendo a possibilidade de transplante de fígado, porém devido às intercorrências da doença, a minha pequetita voltou a morar no céu.
Eu, como pediatra e mãe me sinto na obrigação de conscientizar as pessoas sobre a doença. Não é possível suspeitar de algo se não conhecermos. Os médicos precisam pensar nessa possibilidade de diagnóstico inclusive em mães que têm perdas gestacionais de repetição.
GALD ocorre por um mecanismo auto imune em que anticorpos da mãe “atacam” o fígado do feto. Dessa maneira a criança já nasce com insuficiência hepática. Infelizmente, ainda não há como diagnosticar no pré-natal, e muitos casos são diagnosticados em autópsias. Porém, para viabilizar uma segunda gestação saudável é necessário a mãe fazer uso de imunoglobulina humana no pré-natal desde 14 semanas, pois se não fizer, a doença ocorrerá novamente levando à desfechos terríveis.
Escrevo hoje com nó na garganta e olhos marejados relembrando toda a nossa história. A Betina não veio em vão. Ela nasceu onde precisava nascer. Juntas temos a missão de conscientizar médicos sobre o assunto e ajudar inúmeras famílias. Com certeza a mamãe aprendeu muito com ela e vai honrar a sua vidinha breve amparando crianças e entendendo mais ainda sobre a maternidade após essa árdua experiência
Isabela Vasconcelos, mãe de duas princesas e médica pediatra (CRM 67598 / RQE 44520)