Sem ter asas, às vezes a alma voa. E, no voar, emaranha-se no despreocupar-se
Sem ter asas, às vezes a alma voa. E, no voar, emaranha-se no despreocupar-se com as perturbações do aqui e agora. Voo parado. Sem movimento. Como se um branco enevoasse perguntas e apagasse respostas. Voo de nada querer ser ou saber. De não sentir quaisquer espécies de vazios. Muito menos de saciedade.
Pairar apenas. A alma leve, como que adormecida no embalo da própria existência – também na pausa de não seguir. Sem ver começo ou fim. Sem ver limites cerceando investidas. Sem ver a (des)necessidade de perscrutar dúvidas ou acender certezas. Sem angústias inerentes à sempre conflitante essência humana, com suas ambições, anseios, desvarios, gritos e silêncios.
Pairar apenas, naquele voo sem asas, sem ruflar de asas, sem movimento, momento apenas de paz, como no abraço silencioso com o ser amado, sem palavras, de ternura calada.
A alma voa. Na quietude do sem-tempo, do sem-espaço. Não importa lugar. Tempo não existe. Apenas a alma suspensa, acima da prisão limitante da condição humana: suas garras deixam escapar substrato diferente, apático à própria prisão, livre das cadeias que angustiam e torturam.
“Parada no grau zero do tempo / número nenhum, / nem direita nem esquerda, / nada que acrescente ou subtraia, / multiplique ou divida.” A alma leve, parada e pairada. Acima e abaixo de qualquer contingência. Esvaziada, ao mesmo tempo plenificada na paz. Uma paz tecida em repouso interior, no adormecer/torpor consciente em mãos invisíveis – parecendo as mãos de Deus – de suavidade profunda.
A alma voa. Na quietude de silêncios apesar da bulha externa. Como se sibilasse, imperceptível, para o mundo de fora, afugentando rumores. Embalada no voo sem asas, sem movimento. Embalo no oco da alma.
Momento apenas de ternura, como no abraço silencioso com o ser amado, na simplicidade e leveza da paz.
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro