Uma rosa no abandono
Bem cedo ainda, antes mesmo do sol nascer, dei uma geral no rádio buscando ouvir programas que fugissem da violência, do lamentável noticiário político
Bem cedo ainda, antes mesmo do sol nascer, dei uma geral no rádio buscando ouvir programas que fugissem da violência, do lamentável noticiário político e dos especialistas em mudar vidas sem a realização de um processo. Foi difícil, mas encontrei radialistas primando por arejar a mente do ouvinte para que ele tivesse um bom dia. Saí depois tranquilo à rua.
Aliei a busca do pão na panificadora com uma salutar caminhada. Não tive como evitar ver um jardim literalmente tomado por alto capim e ervas daninhas, no quintal de uma vizinha. Ali, até bem pouco tempo, ela cultivava de um tudo em termos de plantas medicinais caseiras. Era comum as pessoas baterem palmas naquela casa pedindo-lhe: “Dona Regina, a senhora tem cavalinha, funcho, trançagem, arruda, hortelã, alecrim, etc., etc.?” Sim tenho, respondia ela trazendo nas mãos o pedido colhido na hora.
Roseiras sempre decoravam a fachada daquela casa branca afastada. Elas, as rosas, ao serem dadas serviam como agrado afetivo de alguém para alguém. Quantas vezes eu vi esta cena!
Hoje, depois da devastação impiedosa por ferramentas e a voraz investida do capim com as ervas daninhas, brota esbelta no meio daquele abandono uma linda rosa cor-de-rosa! Interrompi a caminhada por alguns minutos, fotografei a cena e refleti: Quanto somos passageiros, mesmo antes de passarmos! Basta que o inesperado nos aconteça e fiquemos privados de fazer o que mais gostamos. É o que aconteceu com a dona do jardim...
Muitos poderiam estar no meu lugar para encerrar este texto, mas por razões óbvias permitam-me fazê-lo. Vejo a bela rosa nascida provavelmente de um tronco decepado, como sendo a natureza ensinando-nos com a sua mensagem silenciosa: “O presente jamais será passado se a vida ainda estiver pulsando, mesmo que os afoitos tentem inverter essa ordem universal”.
Para muitos eu não fui claro, mas para outros tantos, sei que fui até demais.
(*) presidente do Fórum Permanente dos Articulistas de Uberaba e Região; membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro
