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Todo neurótico é apressado

Em São Paulo, pedi informações a um transeunte. Ao abordá-lo, aquele bem-vestido passante entrou em pânico.

Padre Prata
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 03:53
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 Em São Paulo, pedi informações a um transeunte. Ao abordá-lo, aquele bem-vestido passante entrou em pânico. Afastou-se quase correndo, enquanto gritava apavorad "Não sei de nada, não sei de nada". Só faltou chamar a polícia.

Na mesma cidade, juntamente com meu irmão, percorrendo de carro, alguns quarteirões, fomos xingados uma dúzia de vezes por motoristas impacientes e alucinados.

É natural que se tenha medo em São Paulo. As estatísticas são frias, centenas de pessoas morrem mensalmente no tráfego. Há quase cem mil mandatos de prisão por cumprir. Há um crime de morte em cada cinco horas. Rouba-se um carro por minuto. Trombadinhas atrevidos surgem em cada esquina. É compreensível que se tenha medo. Viver lá é perigoso.

Você já leu "As Aventuras de Asterix e Obelix", de Goscinny e Uderzo? É o que há de melhor em matéria de "cartoon". Embora escrito para crianças, são estórias para adultos. Obelix, que odeia os invasores da Gália, vive repetind "Esses romanos são uns neuróticos". É de Obelix que a gente se lembra quando entra em contato com grande parte daqueles que transitam em nossas ruas.

Nosso medo não é mais de morrer, é de viver. Estamos todos com medo. Algo imponderável, mas existente dentro de cada um de nós. Nós nos sentimos ameaçados, mas não sabemos por quem nem por quê. É uma angústia indefinível. É o drama daquele personagem de Kafka. É preso e não sabe por quê. Não sabe sequer de que o acusam. Passa todo o tempo procurando defender-se de uma culpa que ignora, diante de um juiz que não conhece, um ambiente confuso e inexplicável.

O pior medo, porém, é o que provém de nossos conflitos interiores. De nossas carências afetivas. De processos inconscientes. De projetos recalcados. Nós nos sentimos ameaçados e não sabemos mais por quem e por quê. Não sabemos onde se encontra o perigo. Não sabemos como nos livrar dele. Montamos um bem-elaborado mecanismo de defesa. Criamos uma aperfeiçoadíssima autocensura. Medimos nossos passos, nossas palavras, nossos pensamentos.

Assim vamos vivendo. Vamos nos desgastando. Nos neurotizando. Velando sobre nossas insônias e acariciando nossas úlceras. A cada dia temos menos tempo. Há sempre o que fazer, e depressa. Nós nos tornamos assustados, agressivos, irritados, impacientes.

Nem sequer vemos mais as flores do nosso jardim.

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