Não sei por que sonhei com o Paulo Penido, um de meus amigos de infância. Junto à cerca do quintal novo, procurávamos goiabas.
Não sei por que sonhei com o Paulo Penido, um de meus amigos de infância. Junto à cerca do quintal novo, procurávamos goiabas. Deveria ter uns oito anos. Sonhos são sonhos, mas alguns deles nos trazem lembranças e com as lembranças um gosto de coisas perdidas e jamais recuperadas. Como seria feliz se pudesse voltar atrás e parar no tempo. Bem no fundo de mim mesmo, no indevassável, onde as imagens mais belas se ocultam.
A imagem ansiosa pela volta de meu pai que, montado do Corrupio, tinha ido ao Centro, fazer compras. Tinha certeza de que ele traria um livro de histórias para mim. Meu coração batia descompassado quando o via abrir a porteira e se aproximar. Naquele tempo não existia tempo. Os dias, as horas, os minutos corriam sem avisar, sempre trazendo sob seu manto momentos de segurança e de paz. Tempos em que não havia televisão, em que não lia jornais, não sabia se alguém estava em guerra contra alguém. Nem sabia mesmo o que era guerra.
Não ficava sabendo que matavam crianças. Não sabia que homem “andava” com homem e mulher com mulher. Ao lado do imenso ingazeiro, nadávamos no poção, todos nus, sem malícia, nem sabíamos o que era pecado. Víamos bois e vacas se cruzarem com os olhos puros como Deus nos criou. Sabíamos que estavam fazendo bezerrinhos e era só. Olhava meu pai e o Antônio Eloi “desengastalhando” cria do ventre da vaca e chorava de alegria quando conseguiam tirar o animalzinho lá de dentro. Naquele tempo, eu não sabia o que eram contas a pagar, o que eram bancos, juros, ágios, inflação, ganhar dinheiro. Mas me encantava com aquelas moedinhas que os motoristas de caminhão me atiravam quando, correndo, eu lhes abria a porteira do pastinho de cima. Deveria ter uns oito anos quando meu pai, pela primeira vez, levou-me para pescar no Ribeirão do Corrente. Foi com ele que aprendi a arte de pescar. Saí gritando quando peguei o primeiro lambari. Sem nenhum medo, andava pelos campos colhendo coquinhos de indaiá para minha mãe fazer licor. Colhia gabirobas, mangabas, araticuns. “Não se esqueça dos cajuzinhos”, mamãe recomendava. Não sabia o que era política. Não sabia que pais jogavam crianças pelas janelas. Não sabia o que eram drogas. Não sabia que os homens matavam uns aos outros para roubar. Depois a gente vai ficando velho e vai descobrindo que o mundo é mau. Vai sentindo que os homens cada vez mais se afastam de Deus. Vamos nos esquecendo do conselho de Jesus: “Se vós não vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino de Deus”. (*) [email protected] Padre Prata escreve aos sábados neste espaço