Folheando uma revista, num consultório médico, uma foto me chamou a atenção. Era a foto de um carro imenso, um carrão. Abaixo, o título: “Cadillac 1959: poema construído em aço
Folheando uma revista, num consultório médico, uma foto me chamou a atenção. Era a foto de um carro imenso, um carrão. Abaixo, o títul “Cadillac 1959: poema construído em aço e cromo espelhado”. Uma joia que alguns poucos tinham o orgulho de possuir. Nome complet Cadillac Eldorado Biarritz. Do pára-choque dianteiro às lanternas traseiras, quase seis metros. Um palácio em rodas.
Foi, então, que me vi há dezenas de anos atrás, lá na Fazenda da Estiva, onde vi um carro pela primeira vez, na década de vinte. Era um Ford de bigode. Ignoro até hoje o porquê desse bigode, mas era assim que o chamavam. Também não sei o ano da fabricação. Era um modelo antes do Ford 1929. Pertencia ao Tio Zequinha, irmão mais novo de meu pai. Os pneus eram chamados de cobertão. A buzina era perereca. Os faróis eram de carbureto e a capota de lona, só por cima, as laterais eram abertas. Para fazer funcionar o motor havia necessidade de acionar uma manivela na frente do carro. Exigia força, perseverança e coragem, pois se a manivela voltasse, quebraria o braço do acionador. Era um risco. Havia três pedais, mas não me lembro para que serviam. Naquele tempo, ter um carro daqueles era um luxo. Eles aparecem nos antigos filmes de Charles Chaplin (tenho todos esses filmes. Já decidi dá-los de presente ao Guido Bilharinho, que é um “expert” no assunto cinema). Bem, aquele “fordim” era o máximo, na época, maravilha da engenharia americana.
Pois bem, foi nessa “maravilha” que andei pela primeira vez e todo “rempli de moi même”, como dizia minha avó, que, nascida na roça, falava francês. Fomos à cidade para o casamento do Joaquim Dunga com a filha do José Penido, a Mariquinha. Só me lembro da volta. Chovia forte. Todo mundo rezando, não porque chovia, mas porque o “chauffeur”, o Tio Zequinha, estava totalmente bêbado. Não deu outra. Numa virada brusca, o fordim virou. Como a gente estava numa velocidade incrível, vinte por hora, a queda foi lenta e na lama. Saímos sem um arranhão. Puseram o carrinho na posição correta e nos ajeitamos, sujos, no meio dos presentes, xícaras, copos e pratos quebrados. Minha memória dá um branco a partir desse momento, eu só tinha cinco anos.
Hoje, aquele fordeco não existe mais. Também não mais existe o “poema” Cadillac. Viraram peças de museu. Como dizem os americanos, “time goes by”, o tempo voa. Outras maravilhas rodarão pelas estradas. Maravilhas eletrônicas. Palácios rolantes. Também nós passamos. Virão outros que vão dar risadas com as maravilhas de hoje. De nosso tempo.