JUDICIÁRIO

‘Racismo reverso’: STJ derruba tese de injúria racial contra pessoa branca em razão da cor da pele

Ao julgar caso envolvendo europeu e brasileiro negro, STJ deixou claro não haver “racismo reverso”; tribunais devem rejeitar qualquer ação com tal alegação

O Tempo/Renato Alves
Publicado em 05/02/2025 às 10:01
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rechaçou nesta terça-feira (4) a tese de “racismo reverso” em um caso em que um brasileiro negro é acusado de ofender um italiano branco com referências à cor da pele.

Ao tomar tal decisão, de forma unânime, a Sexta Turma do STJ deixou claro que não existe “racismo reverso”, e assim os tribunais brasileiros devem rejeitar qualquer ação baseada em tal alegação.

O colegiado do STJ concedeu habeas corpus para anular todos os atos de um processo em o Ministério Público de Alagoas (MP-AL) denunciou um homem negro por injúria racial contra um italiano branco. 

No julgamento, os integrantes da colegiado Sexta Turma do STJ destacaram que “a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição”, pois “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.​​​​​​​​​

O relator do caso, ministro Og Fernandes, afirmou que o caso revela uma ilegalidade flagrante. Ele ressaltou que a tipificação da injúria racial visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados.​

“A interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários, conforme diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, afirmou Og Fernandes.

Com base no protocolo, que reconhece o racismo como um fenômeno estrutural baseado na hierarquia racial historicamente imposta por grupos dominantes, o ministro destacou que a injúria racial só se configura quando há uma relação de opressão histórica – o que não se verificava no caso em discussão. 

Og Fernandes mencionou também o artigo 20-C da Lei 7.716/1989 (Lei de Racismo), segundo o qual a interpretação das normas sobre crimes raciais deve tratar como discriminatória “qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.

População branca não pode ser considerada minoritária

No entendimento do relator, “a expressão ‘grupos minoritários’ induvidosamente não se refere ao contingente populacional de determinada coletividade, mas àqueles que, ainda que sejam numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder, público ou privado, que são frequentemente discriminados inclusive pelo próprio Estado e que, na prática, têm menos acesso ao exercício pleno da cidadania”.

“Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial”, avaliou o ministro.

Em seu voto, Og Fernandes ressalvou que é perfeitamente possível haver ofensas de negros contra brancos, porém, sendo a ofensa baseada exclusivamente na cor da pele, tais crimes contra a honra teriam outro enquadramento que não o de injúria racial.

“A injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação em exame, não se configura no caso em apreço, sem prejuízo da análise de eventual ofensa à honra, desde que sob adequada tipificação”, concluiu o relator ao conceder o habeas corpus para afastar qualquer interpretação que considere a injúria racial aplicável a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa condição. 

Homem branco não pagou por serviço de negro 

O caso em questão chegou à Justiça de Alagoas em setembro de 2023, quando um italiano fez uma queixa contra um homem negro de Coruripe, a 85km de Alagoas. Em diálogo pelo WhatsApp, o réu disse ao estrangeiro que “essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo”.

O homem negro teria trabalhado sem receber para o branco, que também teria oferecido parte de um terreno e não cumprido com o acordo. O italiano era casado com a tia do cidadão brasileiro, que morava em Brasília e se mudou para Coruripe com a família durante a pandemia de Covid-19 em busca de um local mais seguro. 

Segundo a defesa do brasileiro, o estrangeiro vendeu a ele e a outras pessoas um terreno para montarem um condomínio. À frente de um projeto de audiovisual, o europeu contratou o homem negro como prestador de serviço. Com o fim da pandemia, o brasileiro voltou para Brasília, sem nada receber do italiano.

Além de não fazer o pagamento, sem o negro como funcionário, o homem branco engavetou o projeto de audiovisual e tomou de volta o lote que tinha sido comprado pelo seu ex-funcionário, ainda de acordo com a defesa do agora réu por “racismo reverso”. 

Neste contexto, o acusado teria trocado mensagens com o italiano dizendo que ele tinha uma cabeça “branca, europeia e escravagista”. Mas a prova apresentada pela denúncia do MP-AL, que traz apenas uma fotografia feita por outro celular, não mostra a conversa inteira, segundo a defesa.

Em janeiro de 2024, o MP-AL denunciou o negro por “crime de injúria racial”. Um juiz de Alagoas aceitou. Em nota à imprensa, o MP-AL alegou que a denúncia foi feita com base na Lei nº 14.532, de 2023, que configura o crime de injúria racial quando há o objetivo de ofender uma pessoa em razão da cor, raça, etnia, religião ou origem. 

Já o cidadão acusado de “racismo reverso” passou a ser defendido pelo Instituto Negro de Alagoas (Ineg). A instituição apresentou um recurso no TJ-AL, pedindo para o processo ser arquivado. No entanto, sem segunda instância, o tribunal negou o pedido e o caso foi adiante, com o homem negro correndo risco de ser preso.

Diante da decisão do TJ-AL, o Ineg recorreu ao STJ. 

Fonte: O Tempo

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