A vida é um milagre, disse Manuel Bandeira
"A vida é um milagre", disse Manuel Bandeira. Concordo com o poeta. Tudo à nossa volta traduz milagre.
É milagre ver a semente romper a terra para transformar-se, mais tarde, em frondosa árvore.
É milagre ver o sol, incansavelmente, nascer e pôr-se, fabricando os dias e as noites.
É milagre o sorriso que embala as manhãs de felicidade, inundando o rosto de misteriosa luz.
Mas é milagre também a lágrima teimosa que não consegue calar a dor na alma de alguém.
É milagre o respirar de um recém-nascido, selando o encontro de vidas.
É milagre o amor que funde almas, na certeza de que a eternidade será a eternidade desse amor.
É milagre... a vida é um milagre: ver, ouvir, falar, acompanhar a evolução do mundo, crer no potencial do ser humano e senti-lo célula de Deus.
Mas o poeta conclui, dizendo bendita a morte por ser o fim de todos os milagres. Como concordar com seu pensamento final? Como aceitar que tudo se acabe com o fim da matéria? Como aceitar que a identidade de cada um, com seus valores e sua trajetória, se perca na finitude do corpo?
Crer nisso é negar as palavras de São Paul "E se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns entre vós outros que não há ressurreição de mortos? Pois se não há ressurreição de mortos: nem Cristo ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou [...] é também vã a nossa fé."
Bem sabemos que à nossa compreensão humana não é fácil apreender os mistérios que rondam o cosmo e o próprio homem em sua espiritualidade principalmente. Há tantos segredos, há tantos abismos, há tantos saltos a serem concretizados. E é preciso cavar forças, ainda que com a dificuldade de quem anseia colher estrelas ou daquele que aspira a envolver, nos tênues braços, a magnitude do mar.
A nós, pobres mortais, resta-nos "humanizar", como sugere Rubem Alves, o que é divino, para que a dúvida, fruto da fragilidade, não fragilize também a nossa fé.
E, crendo, ainda vislumbrando o "milagre da Ressurreição", diante do qual os pequenos milagres da vida nada representam, repito com a poeta Adélia Prad "Quando eu ressuscitar, o que quero é/ a vida repetida sem o perigo da morte,/ os riscos todos, a garantia:/ à noite estaremos juntos[...]"
Entre a vida e a morte, a fragilidade do ser humano. Ou, talvez, sua força...