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Falando de violência - II

Onde há ser humano há condição de violência. A violência existe desde o surgimento da humanidade

Sandra de Souza Batista Abud
Publicado em 04/08/2011 às 21:50Atualizado em 19/12/2022 às 23:01
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Onde há ser humano há condição de violência.

A violência existe desde o surgimento da humanidade.

A Bíblia judaico-cristã projetou as raízes da violência na relação entre Caim e Abel, os primeiros irmãos da humanidade. A sua história representa a origem da violência no mundo.

Há muito tempo, o homem é compreendido como animal racional. E a violência será entendida como um modo de relação entre a razão e a animalidade.

Racional, o homem é capaz de pensar, abstrair, conceituar, conjecturar, captar a essência dos entes e projetar criativamente o ainda não existente. Animal, entretanto, o homem é capaz de atrocidades. Ele pode tornar-se inumano, orientando-se pelos seus sentidos e instintos, além de defender os mais mesquinhos interesses.

Sair da animalidade para chegar e permanecer na racionalidade é o desejo que atravessa toda luta ocidental contra a violência. É o que objetiva os mecanismos de racionalização políticos, morais, pedagógicos e religiosos.

A condição humana é inerente à possibilidade da violência. Neste sentido, Freud asseverou a Einstein que podemos somente drenar as condições da violência, mas não eliminar do homem a sua possibilidade.

Todo homem é o que é a partir dos desdobramentos de determinadas possibilidades de ser, que se abrem em modos específicos de relações interpretativas do mundo.

Cada homem é uma singularidade conquistada existencialmente por meio de suas múltiplas relações. Somos quem somos por causa do modo como conquistamos a nós mesmos em meio à pluralidade de relações que nos são constitutivas. Neste contexto, viver é ter de singularizar- se em meio ao jogo relacional com as alteridades que constituem o mundo. Como a vida é abertura relacional, a condição humana está sempre suscetível de ser colocada em jogo devido à entrada de novas alteridades no interior da existência.

Desta estrutura é que emerge a violência.

Não sendo em sintonia com o modo próprio de ser da existência, o homem pode não suportar as alteridades e não se abrir para novos modos de ser a partir da instauração de novas relações. Impotente para o jogo relacional e conflitivo da existência, a violência passa a ser um dispositivo necessário para a manutenção de um tipo vital cristalizado, que não consegue abrir-se a novas alteridades e mudar a si mesmo. Assim, a violência é sempre um recurso existencial que deflagra, sobretudo, a impotência daquele que dela faz uso. Para que este recurso seja viável, o homem reifica os outros e a si mesmo e lança mão de estratégias de controle ou de destruição das alteridades. Em síntese, pode-se dizer que a violência emerge de um tipo de existência impotente, que não consegue assumir a pluralidade de relações com a alteridade, como lugar de reconquista de sua singularidade, necessitando coisificar suas relações, controlando-as ou anulando-as, como um meio para preservar a si mesmo.

(*) Psicóloga clínica

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