Qual é o drama da compulsão pela comida? Qual é o drama da obesidade? Na anorexia existe conflito? A dificuldade de lidar com a própria angústia é evidente
Qual é o drama da compulsão pela comida?
Qual é o drama da obesidade?
Na anorexia existe conflito?
A dificuldade de lidar com a própria angústia é evidente na pessoa que sofre com o excesso de peso ou com a anorexia.
Numa realidade em que o belo é o corpo magro, a impossibilidade de ter esse corpo magro e ideal gera sentimento de inferioridade e culpa.
O que acontece então?
Muitas vezes, estratégias ora invasivas ora agressivas tornam-se uma opção atraente para o indivíduo atingir um corpo ideal, sem esforço, preferencialmente. A obesidade, assim como outros distúrbios, mostra como a relação do sujeito e seu corpo está para além da noção de um corpo biológico. Neste contexto, a relação entre corpo, sintomas e psique remete a lembranças de caráter singular e traumático.
E esse trauma se caracteriza por uma situação na qual a pessoa não é capaz de lidar com a própria angústia, decorrente daquela situação anterior. É também possível verificar que transtornos alimentares e compulsivos podem surgir de uma experiência traumática ou após situações de muito estresse. O sintoma pode corresponder a diversos significados em diferentes períodos. Assim, as perturbações alimentares ocupam uma posição de cruzamento entre a infância e a idade adulta, entre o psíquico e o somático, entre o individual e o social. Essa posição de cruzamento indica uma possível ligação entre essas perturbações e as estratégias psíquicas para lidar com o processo de mudanças que implica em perdas, o que obriga o sujeito a comer ou a não comer para dar vazão às emoções. A necessidade de comer menos para manter o corpo esbelto entra em conflito com o prazer de comer muito.
Nesse sentido, as patologias da alimentação se relacionam à dificuldade em renunciar a uma satisfação outrora desfrutada.
Ao obeso, só resta tentar adequar-se ao modelo de corpo perfeito, ou abandonar-se ao comer compulsivo e exagerado. É interessante pensar na obesidade como uma patologia contemporânea, pois, numa sociedade de consumo na qual a idealização do corpo e do prazer passa pela repressão alimentar, os desejos circulam em torno do objeto proibido. A comida é hoje permeada por racionalização sobre o que pode e o que não se pode comer e a transgressão dessas exigências representa um jogo de prazer contra arrependimento.
Além disso, como o corpo ideal não pode ser alcançado, o indivíduo se mantém em um estado perpétuo de insatisfação. Como consequência, ele se volta para si mesmo na esperança de suportar esse estado de privação em que seu corpo é constantemente mantido, e a comida surge como objeto perfeito para preencher esse sentimento de incompletude, de vazio. Entretanto, quando o sujeito se depara com a moralidade alimentar, novamente ele se encontra em um estado de privação do qual não parece ter saída. O corpo e o comer são dois elementos centrais que, apesar de aparentemente focados em questões diferentes, desembocam em uma só questão, que é a do vínculo. Observa-se que na obesidade há uma relação entre o medo da perda do amor do outro e uma agressividade a ele associada, sentimentos controlados no ato de comer. Logo, a obesidade é vista como uma patologia onde, de um lado, está o sentimento da incapacidade de parar de comer e, do outro, o sentimento de poder comer mais que outros, de sentir mais liberdade para comer o que quiser.
Na obesidade, o que parece estar em jogo é uma tentativa de preencher o vazio. Entretanto, existe também um desejo de incorporação ou devoramento que é ambivalente na medida em que corresponde a uma tentativa de preservação e prazer de comer e, ao mesmo tempo, uma destruição do próprio corpo, como se esse corpo não fosse digno de sobreviver e ser amado. Dessa forma, a comida é eleita como representante afetiva do amor.
(*) psicóloga clínica