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Falando de Dor - IV

A dor psíquica é a dor da separação no sentido de que a separação é erradicação e perda de um objeto ao qual estamos tão intimamente ligados

Sandra de Souza Batista Abud
Publicado em 01/04/2010 às 19:46Atualizado em 20/12/2022 às 07:19
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A dor psíquica é a dor da separação no sentido de que a separação é erradicação e perda de um objeto ao qual estamos tão intimamente ligados – a pessoa amada, uma coisa material, um valor ou a integridade do nosso corpo – que é esse laço constitutivo de nós próprios.

A dor do abandono,quando somos preteridos por alguém, da humilhação, quando somos profundamente feridos em nosso amor-próprio, e a dor da mutilação, quando se perde uma parte do corpo, todas essas dores são, em diversos graus, dores de amputação brutal de um objeto amado, ao qual estávamos tão intensa e permanentemente relacionados, que ele regulava a harmonia de nosso psiquismo.

A dor só existe sobre um fundo de amor.

A dor psíquica é um sentimento obscuro, difícil de definir que, mal é apreendido, escapa à razão. Assim, a sua teoria nos incita a procurar a teoria mais precisa possível do mecanismo que a causa. Há nisso como que um desafio de querer demarcar um afeto que se esquiva ao pensamento.

Como sanar a dor?

Consolando o sofredor?

Diante do sujeito que sofre, não basta propor uma interpretação forçada, ou proporcionar- lhe  consolo.

E menos ainda estimular a pessoa a atravessar sua pena como uma experiência formadora, que fortaleceria seu caráter.

Importante é dar sentido a uma dor que, em si mesma, não tem nenhum sentido.

Em si, a dor não tem valor ou significado. Ela está ali, feita de carne ou de pedra, e, no entanto, para acalmá-la temos de tomá-la como expressão de outra coisa, destacá-la do real, transformando-a em um símbolo. Atribuir um valor simbólico a uma dor que é em si, realidade hostil, emoção brutal, é enfim, a forma de torná-la suportável, transformar a dor inassimilável em dor possível.

Mas o que significa então dar sentido à dor e simbolizá-la?

Não é, de modo algum, propor uma interpretação forçada da sua causa, nem mesmo consolar o sofredor. Dar um sentido a uma dor insondável é finalmente construir para ela um outro lugar, onde ela poderá ser clamada, pranteada e gasta com lágrimas e palavras.

Acolher o desconforto inassimilável e ajudar o sofredor a simbolizar o que, por si só, é brutal e hostil, é o que é interessante.

Dar sentido à dor do outro é, nesse caso, abrir-se para um estado de ressonância até que o tempo e as palavras se gastem.

Os termos sofrimento e dor se distinguem da seguinte maneira: enquanto o primeiro remete à sensação local causada por uma lesão, o segundo designa uma perturbação global, psíquica e corporal, provocada por uma excitação geralmente violenta. Se a dor é uma sensação bem delimitada e determinada, o sofrimento, ao contrário, é uma emoção mal definida.

O que a vida e a morte têm a ver com a dor?    

Podemos voltar aos versos de Thiago de Mel

“A morte é indolor, o que dói nela é o nada, o que a vida faz do amor. Sopro a flauta encantada e não sai nenhum som. Levo uma pena leve, de não ter sido bom. E no coração, neve.”

(*) psicóloga clínica

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