ARTICULISTAS

Discurso fora do tempo e de lugar

Cada povo com seu uso, cada roca com seu fuso. É mais ou menos assim um dito popular

Padre Prata
Publicado em 25/03/2018 às 12:50Atualizado em 16/12/2022 às 05:18
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“Cada povo com seu uso, cada roca com seu fuso”. É mais ou menos assim um dito popular dos tempos passados. Noutras palavras, cada tempo tem seu modo de ser, de falar, de vestir, de agir, de viver. Falar, agir e viver dentro dos padrões do “antigamente” é simplesmente ridículo. Ter o senso do ridículo é muito importante no nosso dia a dia, em nosso comportamento e atitudes. Não se faz discurso hoje como se fazia há cinquenta anos.

Estudei Português com Dr. Lúcio Mendonça de Azevedo. Era famoso ali pela década de quarenta. Era convocado para discursar em todas as solenidades. Palavreado escolhido, inflamado, português castiço, floreado, gongórico, ao estilo da época. Eu achava aquilo lindo e procurava imitá-lo.

Aconteceu que fui escolhido pelo Sargento Brasil para falar no encerramento do Tiro de Guerra, no término do ano. Não sei por que me escolheram, talvez porque fosse o fecha fila com meu um metro e cinquenta e dois de altura. Tinha apenas dezessete anos. As solenidades foram realizadas na Praça Ruy Barbosa. Presentes todas as autoridades civis e militares. Juramento à Bandeira Nacional. Tudo no maior patriotismo. Era dia de festa. Pois bem, fiz meu discurso. Hoje, quando releio o que escrevi e falei, morro de vergonha. Mas era daquele jeito que se falava. Cito algumas frases para que o leitor faça uma ideia de como se fazia discurso naquele temp “Não ireis, camaradas, ouvir de meus lábios um mimo literário, com termos matemáticos, inçado de reminiscências metafóricas”. Só mais um: “dessa pátria onde nosso berço, surgindo do além, arremessado pelo Oceano como a concha de nácar, no cálido sol das praias verdejantes, veio ancorar na vida.” Fui muito abraçado, alguns me chamaram de “um segundo Ruy Barbosa”. (Será que estavam me gozando?) Tenho o discurso arquivado. É uma “preciosidade”...

Hoje, não tem cabimento um discurso daqueles. Seria ridículo. Os tempos mudaram, mas há muita gente que ainda não mudou. Ainda continuamos ouvindo discursos e homilias de vinte, trinta minutos, vazios, sem nexo, uma tentativa de mostrar valor pessoal, cultura ou então preguiça de preparar coisa melhor.

Discursos e homilias, hoje, têm que ser simples, curtos, compreensíveis por todos. Os tempos não comportam mais essas baboseiras que estamos ouvindo por aí. Discursos longos é sinal de incompetência. Enchem a paciência dos ouvintes, mais nada. Há dois milênios, os latinos aconselhavam: “Esto brevis et placebis”, ou, em bom português, “sê breve e agradarás”.

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