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Livraria Menino Maluquinho e Ziraldo em Uberaba

Vânia Maria Resende
Publicado em 18/05/2024 às 18:04
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A Livraria Menino Maluquinho funcionou entre 1983-1994, na Galeria Fausto Salomão, em Uberaba. Espaço dedicado ao público infantil cujo nome foi escolhido, entre três títulos de livros, por crianças uberabenses. A preferência foi notável pelo título de Ziraldo, de 1980, emblemático da Infância livre e feliz. O contato com escolas e orientação a educadores se deu no início de 83. A inauguração, em 22/10/1983, teve a presença de Ziraldo em atividades lúdicas, autógrafos, coquetel na Livraria e palestra no Fórum Melo Viana. O lucro da venda de livros se destinava a projetos da Livraria. Encerrei o trabalho de 12 anos não por crise financeira, mas pela necessidade de renovar rumos na promoção da leitura democraticamente.

1983, tempo de grande agitação na vida de Ziraldo: trabalho intenso; publicação de livro, jornal, charge; militância pela redemocratização do país. Enviei-lhe carta por intermédio da Editora Codecri, da qual ele era um dos sócios, convidando-o para inaugurar a Livraria. Não tive resposta. Nem conseguia falar pelo telefone, ocupado todo o tempo. Como eu conhecia Fernando Sabino, por ter escrito sobre dois livros dele, o escritor foi a ponte para que Ziraldo soubesse da Menino Maluquinho e viesse para a inauguração. Era uma fase em que o artista renovava caminhos de criação e de vida norteado pelo vigor da Infância na criação literária para criança, nova rota de vazão à liberdade, de que “O Menino Maluquinho” é expressão plena.

Antes de estar nos meus planos abrir uma Livraria, eu já incluía “Flicts” (69) e “O Planeta Lilás” (79) nas aulas de Literatura no nível acadêmico. Em 1982, Ziraldo os autografou, num ambiente agitado, na Uniube, quando veio pela primeira vez a Uberaba. Em 1983, na dedicatória preciosa em “O Menino Maluquinho” se referiu ao que havia escrito, pra mim, nos dois livros; disse não ter gostado. Guardo, a partir desta, uma coleção de muitas dedicatórias criativas e afetuosas. Guardo, ainda, a honra de estar entre os(as) alunos(as) do livro “Uma professora muito maluquinha” (95) e entre as amigas para as quais Ziraldo dedicou o livro “Tantas tias” (96).

A programação educativo-cultural da Livraria se deu também fora do seu espaço, em feiras do livro na praça, espaços culturais, escolas, etc. Foram muitas as ações promotoras do livro, da leitura, dos autores: encontro de leitor com autor; orientação a pais, bibliotecas; cursos, oficinas, palestras, inclusive para capacitar educadores. Além disso, houve apresentação teatral de “A Turma do Pererê” e de obras de Sylvia Orthof, Lygia Bojunga Nunes, Eva Furnari. Projetos de promoção da leitura envolveram 41 nomes. Entre outros: teóricos e críticos como Fábio Lucas, Nelly Novaes Coelho, Marisa Lajolo. Autores para crianças, alguns reincidentes: Ziraldo (3 vezes), Odete de Barros Mott, Bartolomeu Campos Queirós, Tato, Stela Maris Rezende, Elias José, Lúcia Góes, Luís Camargo, Ângela Lago. Autores para adultos: Oswaldo França Júnior, José J. Veiga, Roberto Drummond, Luiz Vilela.

Era amplo, intenso e democrático o acesso a livros, leituras, artistas, pela comunidade e por inúmeras escolas públicas e particulares, rurais e urbanas de Uberaba e região. Doze minibibliotecas “Menino Maluquinho” foram doadas, uma por ano, para espaços de assistência à infância. Apoios e parcerias foram fundamentais – de instituições (Smed, Fundação Cultural, Biblioteca Pública Municipal, Sesc, escolas...); de profissionais diversos; educadores e voluntários. Leituras e encontros dos leitores com autores eram experiências transformadoras. Testemunhei a relação mágica, lúdica, libertadora de público de todas as idades com obras do Ziraldo.

Os fatos rememorados, no curto espaço deste artigo, têm significado profundo e duradouro que justifica gratidão a Ziraldo – da minha parte e em nome de Uberaba. A cidade acolheu a Livraria com nome do livro dos mais amados da Literatura Infantil brasileira pela identificação da criança com a Infância sem opressão. O que expus não se limita à minha biografia, mas também compõe a história de Uberaba e retrata parte da trajetória de Ziraldo.

A última foto ilustrativa do belo livro “Ziraldo 40/55: itinerário de um artista gráfico brasileiro” (Ed. Salamandra, 1988) registra momento especial, em 8 de abril de 1987. Ziraldo, sentado no chão, autografa para crianças – da 4ª série da Profa. Eliana Prata, do Colégio Nossa Sra. das Dores – que o cercam, acomodadas no chão e de pé. A legenda é esta: “[...] em Uberaba, na Livraria Menino Maluquinho, vivendo a minha nova vida: cercado de crianças que leem meus livros e que não me deixam (ou deixam?) lembrar que o tempo está passando...”. A foto foi publicada também no Caderno 2/ O Estado de S. Paulo, 6/11/1988, com a informação: “o cartunista em Uberaba, na Livraria Menino Maluquinho, cercado de leitores mirins”.

 Vânia Maria Resende

Educadora; doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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