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Café com fotos

Vânia resende
Publicado em 17/06/2025 às 18:04
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Junho chegou com o friozinho que combina com aconchego, calor humano e um café com muitas delícias. Entre essas, histórias de afetos e memórias – principalmente envolvendo antepassados e outros tempos vividos – e quitutes que não acabam mais. Os preparados por quem convida para o café com fotos e outros levados, pelos que comparecem, para a partilha espontânea e amável, ao sabor da boa prosa. À moda mineira, cabe um pouco de tudo na mesa: garrafa de café, coado mais de uma vez, chá, suco, bolos de fubá de tipos diferentes e bolo de limão, biscoitos variados, croissant, pão de queijo, broa, pipoca, canjica.

E cabe o mais importante: seis primos. O pai de um deles e o avô dos outros cinco eram irmãos. O mais velho da turma se chama Universo, que tem tudo a ver com o seu belo nome. Antes de explicar melhor isso, vêm à mente muitos tipos de primos e primas: gentil, implicante, generoso, chato, solícito; infantil, que fala muito, tudo o que vem à boca; compenetrado e discreto que quase não fala; narcisista que fala sem tirar o olho do próprio umbigo.

Da prima amiga de todas as horas, com a qual se pode contar sempre, que substitui mãe, tia, irmã, não há quem não queira ficar perto. Ao contrário dessa altruísta, bondosa, protetora, a de perfil egoísta quer o melhor só pra si. Relevadas as diferenças, quando as pessoas se encontram, entendem-se, de alguma forma, no tocante a ouvir e contar histórias de família. Certos encontros familiares valem como terapia: lançam luz sobre dúvidas e intrigas mal resolvidas lá atrás; resgatam e esclarecem pedaços de vida obscuros, inacabados, cômicos e trágicos, que ficaram no passado.

Na turma do café se reuniram primos e primas especiais. Um é apaixonado pela história de Uberaba. Há muito ele procura o livro “Terra Madrasta: um povo infeliz”, de Orlando Ferreira (de apelido Doca), curioso por conhecer o que o autor narra sobre Uberaba da década de 1920. Levou para o encontro o livro “Uberaba – Dois séculos de história (dos Antecedentes a 1929)”, de Guido Bilharinho, com uma página marcada. Nela há registro de um assassinato ocorrido em 1908, na forja de um ferreiro chamado Antônio Félix. O mesmo sobrenome da família do avô Antônio, de cinco dos primos reunidos no café. Inclusive, o que levou o livro assina Félix.

Entre as primas estava uma do tipo altruísta. Justamente ela que se manteve mais como ouvinte surpreendeu com a informação relevante de que um vizinho seu tem o livro do Doca, e se ofereceu para pegar emprestado para fazer cópia. Estavam duas que chegaram com as mãos cheias de sacolas com iguarias. Uma dessas, com várias fotos também; a outra veio de cidade próxima, ávida por ouvir casos antigos. Na casa, estava a que organizou o espaço para o lanche prolongado num sábado. Foram cinco horas prazerosas, que passaram sem ninguém perceber.

Os dois primos foram pontuais e chegaram juntos. Um deles levou o livro mencionado. O outro, o Universo, levou sacolinhas cheias de gentilezas, que também compuseram a fartura da mesa. O nome desse primo remete à imensidão do mundo, e à sua história pessoal intensa: caminhos percorridos em muitas viagens pelo motorista profissional, e suas aventuras diversas; entre elas, as amorosas, desfeitas, mas que deixaram algum vínculo.

O nome escreve também o ser de personalidade única, jovem, amante da vida nos seus 80 anos; sua prontidão para ir, ver, e viver sem recuo, com coragem; sua natureza livre e inspirada, mais próxima da visão poética do que objetiva da realidade, traduzida em “verso”. Dentro da palavra se lê ainda o que de “inverso” lhe foi imposto desde cedo. Começou a trabalhar na infância, e logo assumiu o compromisso de arrimo de família. A mãe contou com ele para lhe dar a mão até a morte. Estiveram juntos e cúmplices na solidão, experimentada por cada um no seu modo.

As fotos, leitmotiv do café, atraíram os olhares, suscitaram comentários, lembranças. As quitandas, tantas para pouca gente, foram pretexto para mais um café na casa de outra prima, não presente no sábado. O que ficou intocado foi levado para a casa dela no domingo, e o fio das histórias continuou na viagem longe no tempo e dentro de cada um.

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