OLGA MARIA FRANGE DE OLIVEIRA

O Recital de Poliana Alves

Olga Maria Frange
Publicado em 15/03/2023 às 19:01
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O significado bíblico do nome Poliana é: “Aquela que é pura e graciosa”. Na literatura, Poliana é o nome da personagem principal do romance de Eleanor H. Porter, lançado em 1913. No livro, Poliana consegue ver o lado bom em tudo que acontece, praticando o “jogo do contente”. A exemplo da personagem, Poliana Alves inundou nossos corações de puro contentamento no seu recital do dia 9 de março último.

Poliana Alves é mais um talento burilado pelas renomadas mestras do canto lírico, Edmar Ferretti e Adriana Giarola Kayama. É Doutora em Música – Práticas Interpretativas do Canto, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora de Canto no Instituto de Artes – Curso de Música da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Revelou-se uma artista com grande presença de palco e dona de uma bela voz de mezzo-soprano dramático. De porte elegante, loira, estatura alta, com uma dicção perfeita, a cantora teve como pianista acompanhante o jovem Thiago de Freitas, também professor do Curso de Música da UFU, com quem formou um harmonioso duo.

Para comemorar o Dia Mundial da Mulher, a cantora selecionou obras de oito compositoras brasileiras, sendo três cariocas, três mineiras, uma baiana e uma paulista. As peças tinham em comum o caráter nacionalista acentuadamente afro-brasileiro. O recital de canto e piano aconteceu no Centro Cultural Cecília Palmério, na Universidade de Uberaba (Uniube), às 20 horas do dia 9 de março de 2023.

Esta noite de arte teve início com quatro obras excepcionais de nossa festejada artista carioca, Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Poliana soube passar para o público presente a personalidade exuberante de Chiquinha, que foi quem abriu caminho e ajudou a definir os rumos da autêntica música brasileira na virada do século XIX para o século XX. A primeira peça, “Morena” (versos de Ernesto de Souza), adequou-se perfeitamente à voz da cantora, possibilitando aos ouvintes perceberem, de imediato, a segurança da intérprete e sua perfeita impostação vocal. A terceira canção, “Lua Branca”, com seu apelo lírico sentimental, emocionou vivamente a plateia.

Veio a seguir, “Saudade”, da compositora carioca Helza Camêu (1903-1995), com versos de Vicente de Carvalho. De um lirismo encantador.

A terceira compositora surpreendeu a todos, pois foi anunciada como compositora mineira, natural de Uberaba. Isso mesmo, Leyde Olivé, autora uberabense que foi aluna particular de Renato Frateschi até 1938 e, posteriormente, frequentou a classe do professor Alberto Frateschi no Conservatório Musical Santa Cecília, em 1939. Foi Alberto que a preparou para seu ingresso no Conservatório Mineiro de Música, em Belo Horizonte. Na capital mineira, ela cursou os três últimos anos do curso de piano na classe do professor Fernando Coelho, com grande brilhantismo. Leyde iniciou seus primeiros passos na área da composição ainda em Belo Horizonte, em meados da década de 1940. Mas sua nova atividade no campo da produção musical só veio a desabrochar plenamente em São Paulo, onde fixou residência no início dos anos 50, já casada e com filhos. Poliana interpretou “Otinderê”, batucada de candomblé, peça que tem uma força expressiva muito grande e foi eternizada em duas gravações antológicas: o LP “A voz de Leny Eversong” (1955) e o LP “Histórias de Preto Velho” (1964), na voz de Edson Lopes (1ª faixa, lado A). Edson era um cantor também natural de Uberaba, dono de uma belíssima voz de baixo cantante. Ambos lançaram seus discos pela gravadora Copacabana. Todas as composições de Leyde Olivé são embasadas em pesquisas folclóricas e encontraram em Inezita Barroso a intérprete ideal.

A seguir, quatro peças de Babi de Oliveira (1908-1993), baiana de Salvador. Artista versátil e reconhecida internacionalmente. Das quatro peças selecionadas destaco “Recomendação” (versos de Índia Rêgo), muito bonita, e “Recado” (criação Maria Sylvia Pinto), com participação no palco de Jorge Nabut. Um minutinho de comédia que trouxe uma pitada de humor na noitada musical.

Logo foi a vez da talentosa compositora mineira Carmen Sylvia de Vasconcellos (1915-2001), presente com a delicada “Os oinho dela” (versos de Luiz Peixoto).

Eunice Katunda (1915-1990) conduziu o recital a um momento muito especial, com a canção “Incelença das Ave Marias”, com texto popular da região sul do estado de São Paulo. Incelença nº 4 das “Quatro Cantigas de Velório”. Uma pequena obra-prima.

O programa foi encerrado com quatro peças da compositora paulista Kilza Setti (1932), fundadora da Associação Brasileira de Folclore e uma das pioneiras no estudo da cultura caiçara. As “Cantorias Paulistas”, de sua autoria, fecharam brilhantemente o recital, atingindo um clímax inesperado, que conquistou definitivamente o público.

Aplaudida com entusiasmo, Poliana atendeu aos insistentes pedidos de bis, com a plateia de pé, interpretando como número extra a delicada cantiga de ninar intitulada “Sum-Sum”, extraída do folclore de Diamantina, criação de Dinorá de Carvalho, a mais importante compositora nascida em Uberaba, que, neste recital, veio reforçar a presença feminina de nossas artistas no cenário musical brasileiro, ao lado de Leyde Olivé.

Parabéns, Poliana! Parabéns, Thiago de Freitas! Parabéns, Jorge Nabut! O Dia da Mulher foi comemorado entre nós com pompa e circunstância. Na plateia musical, nomes de peso na área do canto, como: Arahilda Gomes, Marília Bartolomeu, Benedita Kátia de Araújo Santos, Marcela Manutti e muitos diletantes da arte lírica.

 Olga Maria Frange de Oliveira

Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira n.º 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro)

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