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Fatalismo

Nilson de Camargos Roso
Publicado em 09/05/2025 às 19:42
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De acordo com o fatalismo, o destino de todas as pessoas já está traçado por um ser ou força superior e nada pode ser feito para alterá-lo. Já um determinista dirá que isso ocorreu porque uma série de causas levou a esse resultado. Se outras causas tivessem entrado em ação, o resultado teria sido diferente. 
Essa compreensão fatalista da existência humana acaba por se traduzir em conformismo e resignação frente às circunstâncias.

Abordarei alguns aspectos de fatalismo referentes à área da saúde, sem qualquer conotação com aspectos ligados ao Apocalipse ou às previsões de Nostradamus.
Antes da pandemia, fui ao comércio local. Após efetuar a compra, observei que havia uma jovem emitindo a nota fiscal de compra. Perguntei a ela: “onde está a antiga funcionária que emitia as notas fiscais?”. A resposta: “ela faleceu”. Perguntei: “de quê?”. A resposta: “lúpus”. Retruquei: “mas ela não teve tratamento?”. Obtive a resposta mais inesperada e sem nexo: “o que tem que ser tem que ser”, ou seja, a jovem entendia que com ou sem tratamento médico a ex-colaboradora morreria, evidenciando um caso típico de fatalismo. Ou seja, segundo a visão dela, estava escrito que ela morreria.

É fato que, em várias condições, dependendo da presença de comorbidades associadas e do tipo de lúpus, este pode levar à morte, mas confesso que fiquei surpreso e aborrecido com a resposta dada por essa jovem, pois retratava uma visão do mundo sob o aspecto fatalista e que tudo, segundo a jovem, é imutável, de nada adiantando o cidadão procurar recursos médicos a fim de ter saúde. Indignado, repliquei: “quando vai atravessar a rua, você não olha se está vindo um carro, não precisando ter cuidado, pois “o que tem que ser, tem que ser”. Pelo seu raciocínio, quando você está doente, tanto faz ser atendida pelo bom ou pelo mau médico, pois “o que tem que ser tem que ser?”.

Ainda acrescentei: “percebi que você é uma exímia digitadora. Se você fosse uma má digitadora, mesmo assim você seria contratada, independente da competência, pois “o que tem que ser tem que ser?”. Meus argumentos foram fortes e a jovem empalideceu, percebendo sua visão errada, onde certamente aprendeu crendices familiares transmitidas de geração em geração, frequentemente sem base científica, que são associadas a eventos ou comportamentos que podem trazer sorte ou azar, boa ou má influência.

Na área da saúde, repito, é necessária a prevenção de doença. O caso que se segue é o oposto do fatalismo. Tenho um colega médico septuagenário que, anos atrás, se lembrou que seu pai falecera repentinamente de infarto do miocárdio, assim como tios e primos. Disciplinado, não sendo um fatalista e possuidor de boa cognição, sem nenhum sinal clínico de insuficiência coronariana, mas com história familiar para tal, ele mesmo solicitou cateterismo cardíaco, que acusou obstrução de 70% de uma das coronárias. Três dias após, recebeu stents (endopróteses expansíveis), corrigindo a irrigação deficiente, o que permitiu ele estar entre nós até hoje e, baseado no princípio da inércia, trabalha todos os dias, não conseguindo parar. Acrescento a este fato antigo um fato recente: há uma semana esse mesmo colega sentiu pequeno mal-estar, foi ao cardiologista e novo stent foi implantado. Sua vida foi salva porque não houve fatalismo, mas sim prevenção consciente.

No fatalismo há uma distorção da capacidade cognitiva. Porém, há situações em que ocorrem ausência de cognição sem fatalismo, onde pessoas muito inteligentes e intelectuais, realmente diferenciadas, foram incapazes de ter uma visão do fato que está ocorrendo, evidenciando que “ninguém é bom em todos os níveis”. Estou me referindo a Steve Jobs, um dos criadores da Apple que, após receber o diagnóstico de câncer de pâncreas, passou nove meses acreditando que a força da mente seria capaz de curá-lo. Em fase mais adiantada da doença, percebeu seu erro, procurou assistência médica, que foi ineficaz, vindo a falecer. Neste caso, a consequência foi a mesma do fatalismo: a cegueira cognitiva e seu desastre. Conclui-se que a ausência de cognição existe no fatalismo assim como em casos de não fatalismo, independente da classe social.

O cidadão somente pode escolher um médico ou um guarda-costas (segurança) se tiver confiança neles, o que evidencia que para haver a melhor escolha implica em boa cognição até para escolher o melhor prestador de serviço, afastando o fatalismo, pois esse se traduz em resignação e conformismo, que se relaciona com a ideia de um destino fatal, diante das circunstâncias, repito.

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