Se a moda pega, se já não pegou, a de fazer “live” a partir do leito de hospital, haja vírus virtuais imperceptíveis aos infectologistas de plantão fundamentais na prevenção e controle de infecções hospitalares. O ambiente que recebe um enfermo guarda características como a do silêncio, assepsia, pouco movimento e extremo cuidado e geralmente preserva discrição. Estas condições devem auxiliar ou já fazem parte da própria terapia. Quebrar esta linha básica e mais que secular não parece recomendável, a conferir com quem é do ramo – profissionais de saúde e administradores hospitalares. Imagine a epidemia frenética de “lives” neste ambiente. Os hospitais, principalmente os privados, oferecendo instalações adaptadas ou erigidas como cenários cinematográficos aos impacientes pacientes ávidos em postar vídeos com seu manequim aparatado de cânulas, frascos de soro, camas articuladas ou motorizadas. Trocando médicos por roteiristas, enfermeiros por cinegrafistas e acompanhantes por coadjuvantes ou fazendo dos mesmos uma improvisada equipe de produção áudio visual. O espetáculo atropela o rito sagrado do ambiente sanitário e assume preponderância na escalada doentia, servindo de suporte a diversas intenções. Se a moda pega, logo aparecerá um app Instahealth ou Facecare para difundir os vídeos e “lives” dos internados dirigidos aos internautas. O recém-falecido, peruano, Nobel de literatura, ideologicamente polêmico Vargas Llosa, em seu livro “A Civilização do Espetáculo”, aponta: “A realidade real já não existe, foi substituída pela realidade virtual... Há algo que conhecemos com o rótulo de” informação”, mas trata-se de um material que, na verdade, desempenha função essencialmente oposta à de nos informar sobre o que ocorre ao nosso redor”, ou seja, a cultura e o conhecimento foram substituídos pelo espetáculo descompromissado com a relevância da verdade e do bom gosto. Lamentável que esta prática já avança hospitais adentro e os tornam palcos de encenação dantesca contando com o entusiasmo e adesão de muitos claudicantes senhores da saúde que se associam a essa espetacularização com selfies e saudações de claque dentro das instalações hospitalares. Conscientes desta situação, muitos se silenciam; com isso, prevalecem os correligionários dos factoides e das narrativas farsescas. Com todo respeito à atividade circense, que faz espetáculo de fato, Hospital não é e nem pode ser feito de picadeiro para contorcionismos histriônicos. O esquete pode até continuar, mas fora do leito, do corredor, da UTI, da enfermaria, do ambulatório. Caso contrário, intime-se e cumpra-se.
Luiz Cláudio dos Reis Campos