Chega mais perto.
Contempla as palavras.
Cada uma delas carrega mil rostos sob a face tranquila, como adverte Drummond em sua “Procura da Poesia”. Palavras que não esperam respostas prontas: perguntam. Insistem. Vibram. Não por curiosidade, mas por convocação, como quem exige de nós outro modo de habitar o tempo.
Obrigado, Drummond, por ainda murmurar no intervalo mais fino do silêncio, onde o tempo se depura em movimento amplo, movendo-se tanto dentro quanto ao redor. Em cada palavra, um portal oculto, uma dobra que se abre para o gesto do outro, e ao mesmo tempo, para aquilo que em nós permanece por revelar, essa rara possibilidade de hospitalidade entre os mundos.
Mas eis o tempo que atravessamos: cedemos fácil à tentação das certezas apressadas, negando a dúvida viva da esperança. A chave, talvez, tenha sido roubada pela própria porta, ou sequestrada pelas telas que, em vez de abrirem passagens, nos confinam. Onde os muros ruíram ergueram-se espelhos turvos, deformando o pouco que ainda ousamos enxergar.
Talvez seja preciso, então, uma súbita mudança de ângulo, um deslocamento interno, para, diante da realidade, refazer a pergunta primeira: trouxemos a chave?
Ou será preciso esboçá-la, inacabada, a partir da escuta do que resiste em silêncio?
Aprender as mil faces da palavra não é possível. Mas aproximar-se delas, ainda que pela fresta, é parte do esforço paciente de se reconhecer, de aceitar que somos feitos também do que não sabemos nomear.
As palavras ainda são um abrigo contra a nossa própria dispersão.
A leitura, a literatura, a prosa, cada gesto que arranca a linguagem do seu automatismo, são modos de reabrir a vida, de devolver ao mundo seu frescor esquecido.
As mil faces das palavras não se oferecem a quem passa correndo: entregam-se a quem suporta o tempo necessário da demora, a quem erra o caminho, a quem aprende a esperar. E é nessa paciência imperfeita que as palavras deixam de ser apenas sinais e se tornam abrigo.