Começou pela manhã, pouco antes do almoço. Se ao princípio não foi nada de especial, o nível de alarme aumentou quando colegas de trabalho, espalhados por toda a Península Ibérica, começaram a perguntar no grupo do WhatsApp se alguém mais estava sem energia. Logo alguém reportou que era geral: Portugal, Espanha, a esquecida Andorra e até o sul da França.
Nada como falta de energia para desafiar o nível de civilização geral. Uma pequena volta a pé pelo bairro e a constatação de que dois supermercados de grandes redes fecharam as portas. Um outro, que decidiu permanecer aberto, colocou seguranças à porta para regular a entrada, mas não conseguiu evitar as panicompras. Clientes enchiam carrinhos com água engarrafada, enlatados e papel higiênico; parecia a pandemia de volta.
Pela rua, a cada passo, ouviam-se histórias cada vez mais bizarras. Uma senhora garantia que a causa se devia a um avião que se chocou com duas torres importantes, dava detalhes de localização e tudo. Outro dizia que a energia só voltaria em dois ou três dias. Muitas certezas para pouca razão.
A internet ainda funcionou por algum tempo, o suficiente para que todos buscassem informações oficiais, colapsando os respectivos sites. Próxima opção, a imprensa habitual, que apenas dava alguma tranquilidade e informava que “as autoridades estão trabalhando”. A verdade é que pouco se sabia. Logo a rede se foi, e o apagão se estendeu à internet.
Em algum momento foi mais prudente desligar o celular, para salvar bateria e, no caso de haver rede mais tarde, poder comunicar um mínimo. Na rua, muita polícia organizando o trânsito. Os bondes, elétricos, pararam onde estavam, misericordiosamente sem fechar cruzamentos. Ônibus salvaram o dia; viva o combustível fóssil!
Ao entardecer, o escuro invadindo tudo, e alguns pedestres mais corajosos ainda na rua. Velas pela casa. E a espera. De repente, já pelas nove da noite, gritos lá fora. Parecia que a Seleção tinha feito um gol na final da Copa. A energia voltou do outro lado da rua! Ainda mais meia hora para o desfecho e, enfim, luz!
Ficam as lições aprendidas e um triste saldo, uma pessoa falecida em Portugal quando a bateria do seu respirador acabou, e a assistência não chegou a tempo. Apagão não é brincadeira.