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A gênese da infelicidade está dentro de nós

Não existe ninguém que não queira ser feliz. Claro que me refiro a pessoas normais. Os fronteiriços estão fora de cogitação.

Padre Prata
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 05:01
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Não existe ninguém que não queira ser feliz. Claro que me refiro a pessoas normais. Os fronteiriços estão fora de cogitação. Muitas vezes me surpreendo olhando os passantes. Correm todos atrás de alguma coisa. Mesmo os ociosos buscam, no ócio, resolver uma situação existencial. Consciente ou inconscientemente, corremos atrás de um objetivo qualquer. Acontece que, atrás desse “ponto” procurado, existe alguma coisa. Você não corre à toa. Aquilo que procuramos é um “meio” para atingir um objetivo bem mais importante. Procuramos ser felizes. Procuramos aquilo que nos traz prazer. Aquilo que nos traz alegria.   Aquilo que nos traz realização, seja o que for, emprego, dinheiro, médico, remédio, distração, igreja, clube, restaurante. Tudo isto é instrumento de felicidade. Talvez momentânea, mas é. O pior é que, depois de atingido o objetivo, mergulhamos em nova insatisfação. Nunca estamos definitivamente satisfeitos, sempre nos falta alguma coisa. O homem é um animal que procura. Procura e sofre. Sofre por quê? Sofremos porque somos dominados pelos desejos. Principalmente o desejo de “ter”.   O instinto de posse é o mais violento de todos os instintos. Muito mais forte e perigoso do que o instinto sexual. Já houve tempo em que a Moral girava quase que só ao redor da sexualidade. Sexo tornou-se a fonte principal de todo o mal. Montou-se, nessa área, uma casuística opressiva criadora de remorsos e geradora de neuroses. Por isso, outros aspectos éticos do comportamento foram relegados a um plano secundário menos importante. A própria Igreja, tão severa no terreno da sexualidade, deixou-se levar pela tentação do ter e do poder, da intransigência, da intolerância. De tudo isso, o Papa João Paulo II não se cansou de pedir perdão. Reuniu-se com representantes de todas as grandes religiões do mundo. Católicos, ortodoxos, protestantes, muçulmanos, judeus, budistas, confucionistas, xintoistas, zoroastristas, sikhs, indus, animistas africanos. Reuniram-se em Assis, na Itália, procurando seus pontos de convergência, esquecendo suas divergências, orando pela paz e fazendo planos de ação conjunta pela paz no mundo.   Peço desculpas pela digressão e volto ao assunto inicial. O desejo leva todos nós ao sofrimento, pobres e ricos. O pobre sofre porque não sabe se vai comer amanhã, de não “ter” o que comer. O rico sofre porque não sabe se, amanhã, será o dono do seu “ter” de hoje, se será roubado, sequestrado ou assaltado. O medo de perder atinge a todos nós. Dói no fundo de cada um de nós. Ora, o desejo gera o medo e o medo nos faz infelizes.    Na década de cinquenta havia um escritor badalado, Emmanuel Mounier, defensor da corrente de pensamento chamada “Personalismo”. Ele afirmava que a nossa civilização contemporânea se caracteriza pelo medo. Consequentemente, é uma civilização neurotizante. O medo nos torna inseguros, apressados, agressivos, intransigentes, irritados. Peço desculpas pela digressão e volto ao assunto inicial. O desejo torna todos nós incapazes de perdoar, desequilibrados, tristes, sem rumo, infelizes, profundamente infelizes. Há uma interrogação que nos fazemos a nós mesmos diante desse problema: a infelicidade vem de fora ou de dentro de nós mesmos? Nosso equilíbrio interior depende muito de nossa resposta.                                          (*) [email protected] Padre Prata escreve originalmente aos sábados neste espaço

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